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domingo, 14 de fevereiro de 2010

Um Reino Maravilhoso







“ Embora haja muita gente que diz que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite. O que agora vou descrever, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que um ser humano pode imaginar.Senão reparem: Fica ele no alto der Portugal, como os ninhos ficam no alto das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. Quem o namora cá de baixo, se realmente é rapaz e gosta de ninhos, depois de trepar e atingir a crista do sonho contempla a própria bem-aventurança.
Vê-se primeiro um mar de pedra. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus genesíaco. Tudo parado e mudo. Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora. De repente rasga a crosta do silêncio uma voz atroadora:
-Para cá do Marão, mandam os que cá estão! ...
Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de ,nós. Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:
-Entre!
A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso.
Os naturais... Homens de uma só peça, inteiriços, altos e espadaúdos, que olham de frente e têm no rosto as mesmas rugas do chão. Castiços nos usos e nos costumes... Ufanos da alma que herdaram querem-na sempre lavada nem que seja com sangue. A lendária franqueza que vem nos livros, é deles, realmente. (...) Bata-se a uma porta, rica ou pobre, e sempre a mesma voz confiada nos responde:
- Entre quem é!

( Miguel Torga)

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